quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

LEISHMANIOSE- REVISÃO DE LITERATURA

1.   INTRODUÇÃO

Leishmaniose é uma zoonose de transmissão vetorial de notificação compulsória de grande importância para a saúde pública. Tem como agente etiológico os parasitas do gênero Leishmania spp (BRASIL, 2010).
A transmissão deste agente ocorre principalmente por meio de vetores mecânicos, fêmeas flebotomíneas do gênero Lutzomyia spp (SILVA, 2010). A doença pode acometer diversos mamíferos silvestres e domésticos, sendo os cães e os roedores considerados os reservatórios primários do agente (NELSON & COUTO, 2010). Devido à proximidade dos cães com os seres humanos, a espécie é considerada um dos principais reservatórios da doença. A enfermidade pode se apresentar em duas formas clínicas básicas: leishmaniose tegumentar e leishmaniose visceral (SILVA, 2010). A leishmaniose pode acometer diversos sistemas do organismo animal causando lesões graves. Alguns animais apresentam a forma assintomática da doença e se tornam importantes reservatórios, uma vez que a afecção raramente é diagnosticada nesta forma (NELSON & COUTO, 2010).
A Leishmaniose Visceral é uma doença crônica grave, potencialmente fatal para o homem, cuja letalidade pode chegar a 10% quando não se institui o tratamento adequado (GONTIJO, 2004)

2.      EPIDEMIOLOGIA

Na América Latina, a doença já foi descrita em pelo menos 12 países, sendo que 90% dos casos ocorrem no Brasil, especialmente na Região Nordeste (BRASIL, 2010).
A transmissão da doença vem sendo descrita em vários municípios, de todas as regiões do Brasil, exceto na Região Sul. A doença tem apresentado mudanças importantes no padrão de transmissão, inicialmente predominado pelas características de ambientes rurais e periurbanas e, mais recentemente, em centros urbanos como Rio de Janeiro (RJ), Corumbá (MS), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Palmas (TO), Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS), entre outros. Atualmente, no Brasil a LV está registrada em 20 das 27 Unidades da Federação, com aproximadamente 1.600 municípios apresentando transmissão autóctone (SILVA, 2010)

3.      ETIOLOGIA

Os agentes etiológicos da leishmaniose visceral são protozoários tripanossomatídeos do gênero Leishmania, parasita intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico mononuclear, com uma forma flagelada ou promastigota, encontrada no tubo digestivo do inseto vetor e outra aflagelada ou amastigota nos tecidos dos vertebrados. No Brasil, o agente etiológico é a Leishmania chagasi , uma das espécies do gênero Leishmania ( BRASIL,2010).
Na área silvestre, os reservatórios são raposas e marsupiais, enquanto que na área urbana esse papel é do cão doméstico (Canis familiaris). A enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem (BRASIL, 2010).
Os vetores da leishmaniose visceral são insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquiras, birigui, entre outros. No Brasil, duas espécies, até o momento, estão relacionadas com a transmissão da doença: Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi. A primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da Leishmania chagasi no Brasil e, recentemente, L. cruzi foi incriminada como vetor no Estado de Mato Grosso do Sul (BRASIL, 2010).
Esses insetos são pequenos, medindo de 1 a 3 mm de comprimento. Possuem o corpo revestido por pelos e são de coloração clara (castanho claro ou cor de palha). São facilmente reconhecíveis pelo seu comportamento, ao voar em pequenos saltos e pousar com as asas entreabertas. Estes insetos na fase adulta estão adaptados a diversos ambientes, porém na fase larvária desenvolvem-se em ambientes terrestres úmidos e ricos em matéria orgânica e de baixa incidência luminosa. Ambos os sexos necessitam de carboidratos como fonte energética e as fêmeas alimentam-se também de sangue para o desenvolvimento dos ovos (SILVA, 2010)
A Lutzomyia longipalpis adapta-se facilmente ao peridomicílio e a variadas temperaturas, podendo ser encontrada no interior dos domicílios e em abrigos de animais domésticos. Há indício de que o período de maior transmissão da LV ocorra durante e logo após a estação chuvosa, quando há um aumento da densidade populacional do inseto (NELSON & COUTO, 2010).
O desenvolvimento do ovo ao inseto adulto decorre um período de aproximadamente 30 a 40 dias de acordo com a temperatura. As fêmeas são hematófagas obrigatórias, apresentam hábitos ecléticos podendo realizar o repasto sanguíneo em várias espécies de animais vertebrados, inclusive em humanos. Em áreas urbanas, o cão parece ser a principal fonte de alimentação no ambiente doméstico. A longevidade das fêmeas é estimada em média de 20 dias. A atividade dos flebotomíneos é crepuscular e noturna (NELSON & COUTO, 2010).
A infecção do vetor ocorre quando as fêmeas, ao sugarem o sangue de mamíferos infectados, ingerem macrófagos parasitados por formas amastigotas da Leishmania. No trato digestivo anterior ocorre o rompimento dos macrófagos liberando essas formas. Reproduzem-se por divisão binária e diferenciam-se rapidamente em formas flageladas denominadas de promastigotas, que também se reproduzem por processos sucessivos de divisão binária. As formas promastigotas transformam-se em paramastigotas as quais colonizam o esôfago e a faringe do vetor, onde permanecem aderidas ao epitélio pelo flagelo, quando se diferenciam em formas infectantes - promastigotas metacíclicas. O ciclo do parasito no inseto se completa em torno de 72 horas (NELSON & COUTO, 2010).
Após este período, as fêmeas infectantes ao realizarem um novo repasto sanguíneo em um hospedeiro vertebrado liberam as formas promastigotas metacíclicas juntamente com a saliva do inseto. Na epiderme do hospedeiro, estas formas são fagocitadas por células do sistema mononuclear fagocitário. No interior dos macrófagos, no vacúolo parasitóforo, diferenciam-se em amastigotas e multiplicam-se intensamente até o rompimento dos mesmos, ocorrendo à liberação destas formas que serão fagocitadas por novos macrófagos num processo contínuo, ocorrendo então a disseminação hematogênica para outros tecidos ricos em células do sistema mononuclear fagocitário, como linfonodos, fígado, baço e medula óssea (NELSON & COUTO, 2010).
No Brasil, a forma de transmissão é através da picada dos vetores Lutzomyia. longipalpis ou   Lutzomyia cruzi infectados pela Leishmania chagasi . Os hospedeiros vertebrados e reservatórios são infectados quando formas promastigotas são inoculadas pelas fêmeas do inseto vetor durante o repasto sanguíneo. O período de incubação no cão é bastante variável, de 3 meses a vários anos com média de 3 a 7 meses (BRASIL, 2010).
Até o momento, não foi verificada predisposição racial, sexual ou etária relacionada com a infecção do animal. Em cães susceptíveis após a infecção da pele, ocorre a disseminação do parasita por todo o corpo com posterior desenvolvimento dos sintomas. Dependendo de propriedades tanto do parasita como do hospedeiro, a leishmaniose canina irá se desenvolver de uma forma aguda ou crônica. De vários fatores conhecidos, a resposta dos linfócitos T é que exerce a maior influência sobre a infecção. Como a Leishmania é um parasito intracelular obrigatório, as defesas do hospedeiro são dependentes da atividade dessas células, que se encontram reduzidas durante a infecção. Em contrapartida há a proliferação intensa de linfócitos B e a produção de anticorpos é abundante, porém é deletéria e não protetora (GONTIJO, 2004)
Portanto, o aparecimento dos sintomas vai depender da imunocompetência do animal.  Geralmente, a doença no cão é sistêmica e crônica, no entanto a evolução aguda e grave pode levar o animal ao óbito em poucas semanas. Em alguns cães a doença pode permanecer latente, levando inclusive à cura espontânea. No Brasil, a forma assintomática da doença é encontrada com índices variados, geralmente representa 40 a 60% de uma população soropositiva (GONTIJO, 2004).

4.      ASPECTOS CLÍNICOS

Classicamente a leishmaniose visceral canina (LVC) apresenta lesões cutâneas, principalmente descamação e eczema, em particular no espelho nasal e orelha. Pequenas úlceras rasas, localizadas mais frequentemente ao nível das orelhas, focinho, cauda e articulações e pelo opaco. Nas fases mais adiantadas da doença, observa-se, com grande frequência, onicogrifose, esplenomegalia, linfoadenopatia, alopecia, dermatites, úlceras de pele, ceratoconjuntivite, coriza, apatia, diarreia, hemorragia intestinal, edema de patas e vômito, além da hiperqueratose. Na fase final da infecção, ocorre em geral a paresia das patas posteriores, caquexia, inanição e morte. Entretanto, cães infectados podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo (SILVA, 2010).
O diagnóstico parasitológico é o método de certeza e se baseia na demonstração do parasito obtido de material biológico de punções hepática, linfonodos, esplênica, de medula óssea e biópsia ou escarificação de pele. Entretanto, alguns desses procedimentos, embora ofereçam a vantagem da simplicidade, são métodos invasivos, significando a ocorrência de riscos para o animal e também impraticáveis em programas de saúde pública, em que um grande número de animais devam ser avaliados em curto espaço de tempo. É um método seguro de diagnóstico, uma vez que o resultado positivo é dado pela observação direta de formas amastigotas. A especificidade do método é de aproximadamente 100%, e a sensibilidade depende do grau de parasitemia, tipo de material biológico coletado e do tempo de leitura da lâmina, estando em torno de 80% para cães sintomáticos e menor ainda para cães assintomáticos (SILVA, 2010).
Outros diagnósticos laboratoriais são a realização de provas sorológicas como a reação de imunofluorescência indireta (RIFI), ensaio imunoenzimático (ELISA), fixação do complemento e aglutinação direta. Atualmente, para inquéritos em saúde pública os exames disponíveis para diagnóstico sorológico são a RIFI e o ELISA, que expressam os níveis de anticorpos circulantes. O material recomendado é o soro sanguíneo (SILVA, 2010).
Essas duas técnicas sorológicas são recomendadas pelo Ministério da Saúde para avaliação da soroprevalência em inquéritos caninos amostrais e censitários, o ELISA por estar em fase de implantação, inicialmente está sendo recomendado para a triagem de cães sorologicamente negativos e a RIFI para a confirmação dos cães sororreagentes ao teste ELISA ou como uma técnica diagnóstica de rotina (SILVA, 2010).

5.      TRATAMENTO

O tratamento de cães não é uma medida recomendada, pois não diminui a importância do cão como reservatório do parasito. As tentativas de tratamento da leishmaniose visceral canina, por meio de drogas tradicionalmente empregadas (antimoniato de meglumina, anfotericina B, isotionato de pentamidina, alopurinol, cetoconazol, fluconazol, miconazol, itraconazol), tem tido baixa eficácia. O uso rotineiro de drogas em cães induz à remissão temporária dos sinais clínicos, não previne a ocorrência de recidivas, tem efeito limitado na infectividade de flebotomíneos e levam ao risco de selecionar parasitos resistentes às drogas utilizadas para o tratamento humano (SILVA, 2010).

6.      PREVENÇÃO E CONTROLE

A prevenção da leishmaniose nos cães é feita pelo controle da população canina, doação de animais somente após o exame para leishmaniose negativo, uso de telas em canis individuais ou coletivos e uso de coleiras impregnadas com deltametrina a 4%. Também existem produtos spot-on a base de permetrina com ação repelente (GONTIJO, 2004)
Uma prevenção e controle mais eficaz seriam alcançados com o uso da imunoprofilaxia dos cães. Atualmente, há no mercado duas vacinas contra a leishmaniose canina, Leishtec e Leishumune, que possuem registro no MAPA. Seu uso como medida de controle em Sáude Publica não é recomendado pelo MS. (GONTIJO, 2004; BRASIL,2010).
O controle da endemia é centrado no diagnostico e tratamento precoce de casos humanos, redução da população de flebotomíneos, eliminação dos reservatórios (diagnóstico e eutanásia dos animais positivos) e atividades de educação em saúde (BRASIL, 2010).

7.      CONCLUSÃO

A leishmaniose é considerada uma zoonose, sendo que é papel do médico veterinário assumir o compromisso e a responsabilidade que a leishmaniose exige, promovendo o bem estar animal e a saúde pública. Cabe aos médicos veterinários também orientar os proprietários de animais, quanto à prevenção. Além disso, ao diagnosticar um animal, deverá ser realizada, com obrigatoriedade, a notificação à autoridade sanitária, e, conforme preconizado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, esclarecer o proprietário sobre o risco de um cão infectado para os outros animais, para a família e para a comunidade.


                 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.   Manual de Vigilância e controle da Leishmaniose visceral.  Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

GONTIJO,C.M.G ; MELO, N.M. Leishmaniose Visceral no Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Epidemiologia. Vol. 7, nº3.Belo Horizonte, Minas Gerais,2004.

NELSON, R. W.; COUTO, C. G. Medicina interna de pequenos
animais. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan, 4. Ed., p. 95- 111, 2010.

SILVA, F. O. Aspectos entomológicos das Leishmanioses. In: Cadernos Técnicos de Veterinária e Zootecnia - Leishmaniose Visceral.Conseho Regional de Medicina Veterinária do Estado de minas Gerais. n. 65, p. 9 -21, 2010.


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