1. INTRODUÇÃO
Leishmaniose é uma zoonose de transmissão vetorial de notificação
compulsória de grande importância para a saúde pública. Tem como agente
etiológico os parasitas do gênero Leishmania
spp (BRASIL, 2010).
A transmissão deste agente ocorre principalmente por meio de vetores
mecânicos, fêmeas flebotomíneas do gênero Lutzomyia
spp (SILVA, 2010). A doença pode acometer diversos mamíferos silvestres e
domésticos, sendo os cães e os roedores considerados os reservatórios primários
do agente (NELSON & COUTO, 2010). Devido à proximidade dos cães com os
seres humanos, a espécie é considerada um dos principais reservatórios da
doença. A enfermidade pode se apresentar em duas formas clínicas básicas:
leishmaniose tegumentar e leishmaniose visceral (SILVA, 2010). A leishmaniose
pode acometer diversos sistemas do organismo animal causando lesões graves.
Alguns animais apresentam a forma assintomática da doença e se tornam
importantes reservatórios, uma vez que a afecção raramente é diagnosticada
nesta forma (NELSON & COUTO, 2010).
A Leishmaniose Visceral é uma doença crônica grave, potencialmente fatal
para o homem, cuja letalidade pode chegar a 10% quando não se institui o
tratamento adequado (GONTIJO, 2004)
2. EPIDEMIOLOGIA
Na América Latina, a doença já foi descrita em pelo menos 12 países,
sendo que 90% dos casos ocorrem no Brasil, especialmente na Região Nordeste (BRASIL,
2010).
A transmissão da doença vem sendo descrita em vários municípios, de
todas as regiões do Brasil, exceto na Região Sul. A doença tem apresentado
mudanças importantes no padrão de transmissão, inicialmente predominado pelas
características de ambientes rurais e periurbanas e, mais recentemente, em
centros urbanos como Rio de Janeiro (RJ), Corumbá (MS), Belo Horizonte (MG),
Araçatuba (SP), Palmas (TO), Três Lagoas (MS), Campo Grande (MS), entre outros.
Atualmente, no Brasil a LV está registrada em 20 das 27 Unidades da Federação,
com aproximadamente 1.600 municípios apresentando transmissão autóctone (SILVA,
2010)
3. ETIOLOGIA
Os agentes etiológicos da leishmaniose visceral são protozoários
tripanossomatídeos do gênero Leishmania,
parasita intracelular obrigatório das células do sistema fagocítico
mononuclear, com uma forma flagelada ou promastigota, encontrada no tubo
digestivo do inseto vetor e outra aflagelada ou amastigota nos tecidos dos
vertebrados. No Brasil, o agente etiológico é a Leishmania chagasi , uma das espécies do gênero Leishmania ( BRASIL,2010).
Na área silvestre, os reservatórios são raposas e marsupiais, enquanto
que na área urbana esse papel é do cão doméstico (Canis familiaris). A enzootia canina tem precedido a ocorrência de
casos humanos e a infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem
(BRASIL, 2010).
Os vetores da leishmaniose visceral são insetos denominados
flebotomíneos, conhecidos popularmente como mosquito palha, tatuquiras,
birigui, entre outros. No Brasil, duas espécies, até o momento, estão
relacionadas com a transmissão da doença: Lutzomyia
longipalpis e Lutzomyia cruzi. A
primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da Leishmania chagasi no Brasil e,
recentemente, L. cruzi foi
incriminada como vetor no Estado de Mato Grosso do Sul (BRASIL, 2010).
Esses insetos são pequenos, medindo de 1 a 3 mm de comprimento. Possuem
o corpo revestido por pelos e são de coloração clara (castanho claro ou cor de
palha). São facilmente reconhecíveis pelo seu comportamento, ao voar em
pequenos saltos e pousar com as asas entreabertas. Estes insetos na fase adulta
estão adaptados a diversos ambientes, porém na fase larvária desenvolvem-se em
ambientes terrestres úmidos e ricos em matéria orgânica e de baixa incidência
luminosa. Ambos os sexos necessitam de carboidratos como fonte energética e as
fêmeas alimentam-se também de sangue para o desenvolvimento dos ovos (SILVA,
2010)
A Lutzomyia longipalpis adapta-se
facilmente ao peridomicílio e a variadas temperaturas, podendo ser encontrada
no interior dos domicílios e em abrigos de animais domésticos. Há indício de
que o período de maior transmissão da LV ocorra durante e logo após a estação
chuvosa, quando há um aumento da densidade populacional do inseto (NELSON &
COUTO, 2010).
O desenvolvimento do ovo ao inseto adulto decorre um período de
aproximadamente 30 a 40 dias de acordo com a temperatura. As fêmeas são
hematófagas obrigatórias, apresentam hábitos ecléticos podendo realizar o
repasto sanguíneo em várias espécies de animais vertebrados, inclusive em
humanos. Em áreas urbanas, o cão parece ser a principal fonte de alimentação no
ambiente doméstico. A longevidade das fêmeas é estimada em média de 20 dias.
A atividade dos flebotomíneos é crepuscular e noturna (NELSON
& COUTO, 2010).
A infecção do vetor ocorre quando as fêmeas, ao sugarem o sangue de
mamíferos infectados, ingerem macrófagos parasitados por formas amastigotas da Leishmania.
No trato digestivo anterior ocorre o rompimento dos macrófagos liberando essas
formas. Reproduzem-se por divisão binária e diferenciam-se rapidamente em
formas flageladas denominadas de promastigotas, que também se reproduzem por
processos sucessivos de divisão binária. As formas promastigotas transformam-se
em paramastigotas as quais colonizam o esôfago e a faringe do vetor, onde
permanecem aderidas ao epitélio pelo flagelo, quando se diferenciam em formas
infectantes - promastigotas metacíclicas. O ciclo do parasito no inseto se
completa em torno de 72 horas (NELSON & COUTO, 2010).
Após este período, as fêmeas infectantes ao realizarem um novo repasto sanguíneo
em um hospedeiro vertebrado liberam as formas promastigotas metacíclicas
juntamente com a saliva do inseto. Na epiderme do hospedeiro, estas formas são
fagocitadas por células do sistema mononuclear fagocitário. No interior dos
macrófagos, no vacúolo parasitóforo, diferenciam-se em amastigotas e
multiplicam-se intensamente até o rompimento dos mesmos, ocorrendo à liberação
destas formas que serão fagocitadas por novos macrófagos num processo contínuo,
ocorrendo então a disseminação hematogênica para outros tecidos ricos em
células do sistema mononuclear fagocitário, como linfonodos, fígado, baço e
medula óssea (NELSON & COUTO, 2010).
No Brasil, a forma de transmissão é através da picada dos vetores Lutzomyia. longipalpis ou Lutzomyia
cruzi infectados pela Leishmania chagasi
. Os hospedeiros vertebrados e reservatórios são infectados quando formas
promastigotas são inoculadas pelas fêmeas do inseto vetor durante o repasto
sanguíneo. O período de incubação no cão é bastante variável, de 3 meses a vários
anos com média de 3 a 7 meses (BRASIL, 2010).
Até o momento, não foi verificada predisposição racial, sexual ou etária
relacionada com a infecção do animal. Em cães susceptíveis após a infecção da
pele, ocorre a disseminação do parasita por todo o corpo com posterior
desenvolvimento dos sintomas. Dependendo de propriedades tanto do parasita como
do hospedeiro, a leishmaniose canina irá se desenvolver de uma forma aguda ou
crônica. De vários fatores conhecidos, a resposta dos linfócitos T é que exerce
a maior influência sobre a infecção. Como a Leishmania é um parasito
intracelular obrigatório, as defesas do hospedeiro são dependentes da atividade
dessas células, que se encontram reduzidas durante a infecção. Em contrapartida
há a proliferação intensa de linfócitos B e a produção de anticorpos é
abundante, porém é deletéria e não protetora (GONTIJO, 2004)
Portanto, o aparecimento dos sintomas vai depender da imunocompetência
do animal. Geralmente, a doença no cão é
sistêmica e crônica, no entanto a evolução aguda e grave pode levar o animal ao
óbito em poucas semanas. Em alguns cães a doença pode permanecer latente,
levando inclusive à cura espontânea. No Brasil, a forma assintomática da doença
é encontrada com índices variados, geralmente representa 40 a 60% de uma
população soropositiva (GONTIJO, 2004).
4.
ASPECTOS
CLÍNICOS
Classicamente a leishmaniose visceral canina (LVC) apresenta lesões
cutâneas, principalmente descamação e eczema, em particular no espelho nasal e
orelha. Pequenas úlceras rasas, localizadas mais frequentemente ao nível das
orelhas, focinho, cauda e articulações e pelo opaco. Nas fases mais adiantadas
da doença, observa-se, com grande frequência, onicogrifose, esplenomegalia,
linfoadenopatia, alopecia, dermatites, úlceras de pele, ceratoconjuntivite,
coriza, apatia, diarreia, hemorragia intestinal, edema de patas e vômito, além
da hiperqueratose. Na fase final da infecção, ocorre em geral a paresia das
patas posteriores, caquexia, inanição e morte. Entretanto, cães infectados
podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo (SILVA, 2010).
O diagnóstico parasitológico é o método de certeza e se baseia na
demonstração do parasito obtido de material biológico de punções hepática,
linfonodos, esplênica, de medula óssea e biópsia ou escarificação de pele.
Entretanto, alguns desses procedimentos, embora ofereçam a vantagem da
simplicidade, são métodos invasivos, significando a ocorrência de riscos para o
animal e também impraticáveis em programas de saúde pública, em que um grande
número de animais devam ser avaliados em curto espaço de tempo. É um método
seguro de diagnóstico, uma vez que o resultado positivo é dado pela observação
direta de formas amastigotas. A especificidade do método é de aproximadamente
100%, e a sensibilidade depende do grau de parasitemia, tipo de material
biológico coletado e do tempo de leitura da lâmina, estando em torno de 80%
para cães sintomáticos e menor ainda para cães assintomáticos (SILVA, 2010).
Outros diagnósticos laboratoriais são a realização de provas sorológicas
como a reação de imunofluorescência indireta (RIFI), ensaio imunoenzimático
(ELISA), fixação do complemento e aglutinação direta. Atualmente, para
inquéritos em saúde pública os exames disponíveis para diagnóstico sorológico
são a RIFI e o ELISA, que expressam os níveis de anticorpos circulantes. O
material recomendado é o soro sanguíneo (SILVA, 2010).
Essas duas técnicas sorológicas são recomendadas pelo Ministério da
Saúde para avaliação da soroprevalência em inquéritos caninos amostrais e
censitários, o ELISA por estar em fase de implantação, inicialmente está sendo
recomendado para a triagem de cães sorologicamente negativos e a RIFI para a
confirmação dos cães sororreagentes ao teste ELISA ou como uma técnica
diagnóstica de rotina (SILVA, 2010).
5. TRATAMENTO
O tratamento de cães não é uma medida recomendada, pois não diminui a
importância do cão como reservatório do parasito. As tentativas de tratamento
da leishmaniose visceral canina, por meio de drogas tradicionalmente empregadas
(antimoniato de meglumina, anfotericina B, isotionato de pentamidina,
alopurinol, cetoconazol, fluconazol, miconazol, itraconazol), tem tido baixa
eficácia. O uso rotineiro de drogas em cães induz à remissão temporária dos
sinais clínicos, não previne a ocorrência de recidivas, tem efeito limitado na
infectividade de flebotomíneos e levam ao risco de selecionar parasitos
resistentes às drogas utilizadas para o tratamento humano (SILVA, 2010).
6.
PREVENÇÃO
E CONTROLE
A prevenção da leishmaniose nos cães é feita pelo
controle da população canina, doação de animais somente após o exame para
leishmaniose negativo, uso de telas em canis individuais ou coletivos e uso de
coleiras impregnadas com deltametrina a 4%. Também existem produtos spot-on a
base de permetrina com ação repelente (GONTIJO, 2004)
Uma prevenção e controle mais eficaz seriam alcançados
com o uso da imunoprofilaxia dos cães. Atualmente, há no mercado duas vacinas
contra a leishmaniose canina, Leishtec e Leishumune, que possuem registro no
MAPA. Seu uso como medida de controle em Sáude Publica não é recomendado pelo
MS. (GONTIJO,
2004; BRASIL,2010).
O controle da endemia é centrado no diagnostico e tratamento precoce de
casos humanos, redução da população de flebotomíneos, eliminação dos
reservatórios (diagnóstico e eutanásia dos animais positivos) e atividades de
educação em saúde (BRASIL, 2010).
7.
CONCLUSÃO
A leishmaniose é considerada uma zoonose, sendo que é papel do médico
veterinário assumir o compromisso e a responsabilidade que a leishmaniose
exige, promovendo o bem estar animal e a saúde pública. Cabe aos médicos
veterinários também orientar os proprietários de animais, quanto à prevenção.
Além disso, ao diagnosticar um animal, deverá ser realizada, com
obrigatoriedade, a notificação à autoridade sanitária, e, conforme preconizado
pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, esclarecer o proprietário sobre
o risco de um cão infectado para os outros animais, para a família e para a
comunidade.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFICAS
BRASIL.
Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual
de Vigilância e controle da Leishmaniose visceral. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
GONTIJO,C.M.G
; MELO, N.M. Leishmaniose Visceral no
Brasil: quadro atual, desafios e perspectivas. Revista Brasileira de
Epidemiologia. Vol. 7, nº3.Belo Horizonte, Minas Gerais,2004.
NELSON,
R. W.; COUTO, C. G. Medicina interna de pequenos
animais. Rio de Janeiro. Guanabara
Koogan, 4. Ed., p. 95- 111, 2010.
SILVA,
F. O. Aspectos entomológicos das Leishmanioses. In: Cadernos Técnicos
de Veterinária e Zootecnia - Leishmaniose Visceral.Conseho Regional de
Medicina Veterinária do Estado de minas Gerais. n. 65, p. 9 -21, 2010.
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