PITIOSE
Cacildo de Paula Ferreira Neto
1 Introdução
A pitiose é uma doença
granulomatosa causada pelo oomiceto Pythium insidiosum, que atinge
eqüinos, caninos, bovinos, felinos e humanos e ocorre em áreas tropicais,
subtropicais ou temperadas. A espécie eqüina é a mais atingida, principalmente
nas formas cutânea e subcutânea, seguida pelos caninos. A enfermidade em
eqüinos caracteriza-se pela formação de granulomas eosinofílicos, com a
presença de massas necróticas chamadas de kunkers. ¹
Esses zoosporos móveis são
atraídos para o pêlo dos animais penetrando na pele através de lesões
preexistentes. Essa patologia causa lesões nodulares nos pulmões, intestino,
ossos e principalmente nos membros inferiores, como o abdômen, peito e
genitais. Por ser uma doença micótica, a pitiose se assemelha à zigomicose e
habronemose, moléstias também eqüídeas, dificultando o diagnóstico preciso. 5
Em diferentes regiões do
Brasil, já foram relatados casos de pitiose em eqüinos, como nos Estados do
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, São Paulo, e em bezerros do Pantanal matogrossense. Em Minas Gerais , existem
freqüentes relatos presuntivos da doença por veterinários que trabalham com
eqüinocultura, entretanto, muitos ainda não conhecem a doença. ³
Vários tratamentos têm
sido utilizados, principalmente em eqüinos, incluindo o uso de métodos químicos
(antifúngicos), cirúrgicos e imunoterápicos. A imunoterapia surgiu como uma
alternativa concreta para o controle da doença e tem apresentado resultados
promissores. ¹
2 Agente Causal
O agente da pitiose (Pythium insidiosum) é um
pseudo-fungo. O primeiro isolamento desse organismo filamentoso foi realizado
em 1901 por Haan & Hoogkamer, a partir de granulomas subcutâneos em eqüinos. Esses
autores chamaram a doença de “hyphomycoses destruens”, porém não conseguiram
classificar o agente. Somente em 1961 o agente foi identificado, recebendo o
nome de Hyphomyces destruens.
Em 1974, verificou-se a capacidade desse agente em produzir zoósporos
biflagelados, permitindo classificá-lo como um fungo da família Pythiaceae, ordem Peronosporales que deveria ser
incluído no gênero Pythium.
No entanto, a denominação Hyphomyces
destruens continuou sendo utilizada nas descrições da doença. Em
1987, foram analisadas amostras isoladas de eqüinos, bovinos, cães e humanos e
concluíram que se tratava do mesmo organismo, o qual foi denominado Pythium insidiosum e que essa nova
espécie era igual às anteriormente descritas. 4
O gênero Pythium pertence ao filo Oomycota, cujos membros
caracterizam-se por: produção de zoosporos biflagelados (rep. assexuada);
reprodução sexuada oogâmica; parede celular composta de b-glucanos, celulose e
hidroxipolina; talo diplóide; mitocôndria com crista tubular; características
moleculares e bioquímicas
próprias, como uma rota alternativa para síntese de
lisina. ¹
Esse gênero possui mais de
120 espécies, sendo a maioria habitante do solo e patógenos de plantas,
especialmente a doença damping-off, que causa prejuízos na agricultura.
Algumas espécies têm sido estudadas para utilização como controle biológico (de
outros fungos e larvas de mosquitos), enquanto apenas o P. insidiosum é conhecido como
patógeno de mamíferos e plantas. A identificação das espécies de Pythium não é uma tarefa fácil,
pois baseia-se nas características morfológicas dos zoosporângios, zoosporos,
oogônias e anterídios. ²
3 Epidemiologia
A pitiose ocorre em
regiões de clima tropical, subtropical e temperado, tendo sido descrita nas
Américas, alguns países europeus e sudeste asiático. Não há predisposição por sexo,
idade ou raça, e a fonte de infeção são os zoósporos ambientais, não havendo
relatos de transmissão direta entre animais e entre animais e o homem.
As condições ambientais são fundamentais para o
desenvolvimento do organismo no meio ambiente. Para a produção de zoosporos são
necessárias temperaturas entre 30 e 40ºC e o acúmulo de água em banhados e
lagoas. A grande maioria dos casos de pitiose é observada durante ou após a
estação chuvosa. Baseado nos dados epidemiológicos acredita-se na existência de
um período de incubação de várias semanas. No Pantanal Matogrossense, a maioria
dos casos de pitiose eqüina é registrada entre os meses de fevereiro e maio
(verão-outono), período que corresponde ao ápice das cheias. 4
Em 1983, autores
propuseram um ciclo ecológico para descrever o comportamento ambiental e a
cadeia infecciosa desse organismo. O ciclo baseia-se na colonização de plantas
aquáticas, que servem de substrato para o desenvolvimento e reprodução do
organismo, dando origem aos zoosporângios. Os zoosporos livres na água,
movimentam-se até encontrar outra planta (ou animal), na qual se encistam e
emitem o tubo germinativo, dando origem a um novo micélio e completando o seu
ciclo. Análises in vitro
demonstraram a quimiotaxia dos zoosporos por pêlos e por tecidos animais e
vegetais, atribuída às substâncias presentes nesses tecidos. Uma substância
amorfa é liberada pelo zoosporo após o seu encistamento, provavelmente em
resposta ao fator quimiotáxico do hospedeiro. Essa substância atuaria como um adesivo
para fixar o zoosporo a superfície do hospedeiro e permitir a formação de tubo
germinativo. Essas observações sustentaram a teoria de infecção, sugerindo que
os eqüinos em contato com águas contaminadas poderiam atrair os zoosporos, os
quais germinariam a partir de uma pequena lesão cutânea. Outros autores
sugeriram a possibilidade de penetração dos zoosporos através dos folículos
pilosos, baseados na detecção de hifas no interior do folículo de bovinos
infectados naturalmente e no fato do quimiotaxismo ser mais ativo na região do
pêlo encontrada dentro do folículo piloso. Essa observação pode questionar a
necessidade de lesão na pele para que ocorra a germinação dos zoosporos. Além
disso, diferenças individuais de suscetibilidade, ao exemplo do que ocorre em
humanos, parecem ocorrer também em eqüinos. ¹
No Brasil, a pitiose já
foi descrita em eqüinos, bovinos e caninos. A maioria dos casos corresponde a
lesões cutâneas em eqüinos.
O primeiro relato ocorreu no Rio Grande do Sul. Os relatos de
pitiose eqüina no Brasil somam mais de 90 casos e têm
sido descritos em vários estados como Rio Grande do
Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco e São Paulo. Além dos
casos publicados, relatos informais de médicos veterinários indicam a presença
da doença em vários estados brasileiros. O Pantanal brasileiro é provavelmente
o local de maior ocorrência de pitiose eqüina do mundo. O Pantanal é uma
planície inundável de aproximadamente 140.000 km² e possui em torno de 140.000
eqüinos. Embora não existam dados precisos da ocorrência no Brasil, os dados
disponíveis indicam que a pitiose representa um problema à criação de eqüinos,
especialmente em regiões alagadiças. ³
4 Diagnóstico
Tradicionalmente, o
diagnóstico da pitiose baseava-se nas características clínicas,
histopatológicas e no isolamento e identificação do agente através de suas
características culturais, morfológicas e reprodutivas. A identificação precoce
da doença, no entanto, torna-se difícil através desses métodos. O diagnóstico
diferencial inclui habronemose, neoplasia, tecido de granulação exuberante e
granulomas fúngicos ou bacterianos. Atualmente, métodos como imunohistoquímica
e técnicas sorológicas auxiliam e suportam um diagnóstico precoce e correto. Em
1988, foi descrito pela primeira vez o método de imunohistoquímica para
diagnóstico da pitiose eqüina, que foi posteriormente utilizado por vários
autores. ¹
A utilização de técnicas
sorológicas foi impulsionada, onde se desenvolveu técnicas de imunodifusão em
gel de ágar (ID), fixação do complemento (FC) e hipersensibilidade intradérmica
(TI), para o diagnóstico e monitoramento da resposta imunológica em eqüinos
afetados. Os testes realizados em eqüinos com pitiose clínica, demonstraram que
a ID apresenta alta sensibilidade e especificidade para a detecção de
anticorpos anti-P. insidiosum. ²
Foi desenvolvido um teste
de ELISA para o soro-diagnóstico de pitiose em humanos e animais, utilizando
antígeno solúvel de hifas sonicadas. Os resultados indicaram que o ELISA é
eficiente para o diagnóstico da pitiose e possui especificidade semelhante à
ID, porém com maior sensibilidade. No Brasil, desenvolveu-se um teste de ELISA
para diagnóstico da pitiose eqüina. A técnica desenvolvida utilizou sistema de
luminescência química para visualização da reação, no entanto, pode ser
adaptada para um sistema de visualização direta na membrana, podendo ser
utilizada como um teste de campo, possuindo boa especificidade, sensibilidade,
praticidade e baixo custo. 5
5 Tratamento
O tratamento de infecções pelo
P. insidiosum em animais
e humanos é complicado pelas
características do agente, sobretudo sua composição de parede celular. Os fungos verdadeiros possuem quitina em
sua parede, enquanto o Pythium contém celulose e
b-glucanos. A membrana
plasmática não contém esteróides, como o ergosterol, que é o componente-alvo de
ação da maioria das drogas antifúngicas. Devido a essas características, as
drogas antifúngicas tradicionais são ineficientes contra o P. insidiosum. No tratamento
químico, as drogas mais utilizadas até o momento foram a anfotericina B,
cetoconazol, miconazol, fluconazol e itraconazol, além dos compostos iodínicos
como iodeto de potássio e sódio. ¹
O sucesso das outras
formas de tratamento é variável, sendo influenciado pelo tamanho e duração da
lesão, idade e estado nutricional do animal. O tratamento tradicional da
pitiose eqüina é o cirúrgico, requerendo a excisão de toda área afetada. No
entanto, isso é dificultado pelas estruturas anatômicas envolvidas,
principalmente nos membros. Em geral, o tratamento cirúrgico apresenta bons
resultados apenas em lesões pequenas e superficiais, nas quais seja possível a
retirada de toda área afetada. ¹
Os resultados obtidos com
as drogas antifúngicas têm sido variáveis, tanto in vitro como in
vivo. Em um estudo, os poliênicos (anfotericina B, hamycin) não
apresentaram atividade satisfatória, enquanto os azólicos fluconazol,
cetoconazol e miconazol inibiram o crescimento in vitro de isolados de P. insidiosum. Em outro teste, as drogas anfotericina B, fluocitosina,
miconazole e griseofulvina não inibiram o crescimento do fungo, enquanto o
itraconazol apresentou atividade moderada e a terbinafina foi ativa contra o P. insidiosum. ²
6 Considerações Finais
Apesar de estudos recentes sobre a pitiose, ainda se desconhecem os
mecanismos envolvidos na patogenia e na resposta imunológica do hospedeiro.
Nesse sentido, o desenvolvimento de técnicas mais eficientes para o diagnóstico
e monitoramento da resposta imunológica tem permitido avanços no conhecimento
da resposta imunológica e o desenvolvimento de imunoterápicos para o tratamento
da doença.
Em especial, a imunoterapia representa uma proposta promissora para o tratamento
da doença e justifica estudos mais aprofundados para confirmar seu potencial.
7 Referências
1 Leal A T, Leal A B M, Flores E F, Santurio J M. Pitiose:
revisão bibliográfica. Revista Ciência Rural [internet]. 2001 [citado em 2015
Abr 26]; 31(4): 735-743. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cr/v31n4/a29v31n4.pdf
2 Leo V F, Dabus D M M, Lote R F E, Piccinin A. Pitiose em eqüinos. Revista
Científica Eletrônica de Medicina Veterinária [internet].
2008 [citado em 2015 Abr 26]; (10). Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/j3EeAHB4LhG6m82_2013-5-28-15-59-3.pdf
3 Luvizari F H, Lehmkuhl R C, Santos I W. Pitiose eqüina no
estado do Paraná: primeiro relato de caso. Archives of Veterinary Science
[internet]. 2002 [citado em 2015 Abr 26]; 7 (2): 99-102. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/veterinary/article/viewFile/3987/3227
4 Grecco F B, Schild A L, Quevedo P, Assis N D, Kommers G D,
Pereira C M, Soares M P. Pitiose cutânea bovina na região sul do Rio Grande do
Sul. Pesquisa Veterinária Brasileira [internet]. 2009 [citado em 2015 Abr 26];
29 (11): 938-942. Disponível em: http://www.pvb.com.br/pdf_artigos/31-12-2009_23-12Vet694.pdf
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