segunda-feira, 1 de junho de 2015

PITIOSE

Cacildo de Paula Ferreira Neto

1 Introdução

A pitiose é uma doença granulomatosa causada pelo oomiceto Pythium insidiosum, que atinge eqüinos, caninos, bovinos, felinos e humanos e ocorre em áreas tropicais, subtropicais ou temperadas. A espécie eqüina é a mais atingida, principalmente nas formas cutânea e subcutânea, seguida pelos caninos. A enfermidade em eqüinos caracteriza-se pela formação de granulomas eosinofílicos, com a presença de massas necróticas chamadas de kunkers. ¹
Esses zoosporos móveis são atraídos para o pêlo dos animais penetrando na pele através de lesões preexistentes. Essa patologia causa lesões nodulares nos pulmões, intestino, ossos e principalmente nos membros inferiores, como o abdômen, peito e genitais. Por ser uma doença micótica, a pitiose se assemelha à zigomicose e habronemose, moléstias também eqüídeas, dificultando o diagnóstico preciso. 5
Em diferentes regiões do Brasil, já foram relatados casos de pitiose em eqüinos, como nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, e em bezerros do Pantanal matogrossense. Em Minas Gerais, existem freqüentes relatos presuntivos da doença por veterinários que trabalham com eqüinocultura, entretanto, muitos ainda não conhecem a doença. ³
Vários tratamentos têm sido utilizados, principalmente em eqüinos, incluindo o uso de métodos químicos (antifúngicos), cirúrgicos e imunoterápicos. A imunoterapia surgiu como uma alternativa concreta para o controle da doença e tem apresentado resultados promissores. ¹

2 Agente Causal

O agente da pitiose (Pythium insidiosum) é um pseudo-fungo. O primeiro isolamento desse organismo filamentoso foi realizado em 1901 por Haan & Hoogkamer, a partir de granulomas subcutâneos em eqüinos. Esses autores chamaram a doença de “hyphomycoses destruens”, porém não conseguiram classificar o agente. Somente em 1961 o agente foi identificado, recebendo o nome de Hyphomyces destruens. Em 1974, verificou-se a capacidade desse agente em produzir zoósporos biflagelados, permitindo classificá-lo como um fungo da família Pythiaceae, ordem Peronosporales que deveria ser incluído no gênero Pythium. No entanto, a denominação Hyphomyces destruens continuou sendo utilizada nas descrições da doença. Em 1987, foram analisadas amostras isoladas de eqüinos, bovinos, cães e humanos e concluíram que se tratava do mesmo organismo, o qual foi denominado Pythium insidiosum e que essa nova espécie era igual às anteriormente descritas. 4
O gênero Pythium pertence ao filo Oomycota, cujos membros caracterizam-se por: produção de zoosporos biflagelados (rep. assexuada); reprodução sexuada oogâmica; parede celular composta de b-glucanos, celulose e hidroxipolina; talo diplóide; mitocôndria com crista tubular; características moleculares e bioquímicas
próprias, como uma rota alternativa para síntese de lisina. ¹
Esse gênero possui mais de 120 espécies, sendo a maioria habitante do solo e patógenos de plantas, especialmente a doença damping-off, que causa prejuízos na agricultura. Algumas espécies têm sido estudadas para utilização como controle biológico (de outros fungos e larvas de mosquitos), enquanto apenas o P. insidiosum é conhecido como patógeno de mamíferos e plantas. A identificação das espécies de Pythium não é uma tarefa fácil, pois baseia-se nas características morfológicas dos zoosporângios, zoosporos, oogônias e anterídios. ²

3 Epidemiologia

A pitiose ocorre em regiões de clima tropical, subtropical e temperado, tendo sido descrita nas Américas, alguns países europeus e sudeste asiático. Não há predisposição por sexo, idade ou raça, e a fonte de infeção são os zoósporos ambientais, não havendo relatos de transmissão direta entre animais e entre animais e o homem.
As condições ambientais são fundamentais para o desenvolvimento do organismo no meio ambiente. Para a produção de zoosporos são necessárias temperaturas entre 30 e 40ºC e o acúmulo de água em banhados e lagoas. A grande maioria dos casos de pitiose é observada durante ou após a estação chuvosa. Baseado nos dados epidemiológicos acredita-se na existência de um período de incubação de várias semanas. No Pantanal Matogrossense, a maioria dos casos de pitiose eqüina é registrada entre os meses de fevereiro e maio (verão-outono), período que corresponde ao ápice das cheias. 4
Em 1983, autores propuseram um ciclo ecológico para descrever o comportamento ambiental e a cadeia infecciosa desse organismo. O ciclo baseia-se na colonização de plantas aquáticas, que servem de substrato para o desenvolvimento e reprodução do organismo, dando origem aos zoosporângios. Os zoosporos livres na água, movimentam-se até encontrar outra planta (ou animal), na qual se encistam e emitem o tubo germinativo, dando origem a um novo micélio e completando o seu ciclo. Análises in vitro demonstraram a quimiotaxia dos zoosporos por pêlos e por tecidos animais e vegetais, atribuída às substâncias presentes nesses tecidos. Uma substância amorfa é liberada pelo zoosporo após o seu encistamento, provavelmente em resposta ao fator quimiotáxico do hospedeiro. Essa substância atuaria como um adesivo para fixar o zoosporo a superfície do hospedeiro e permitir a formação de tubo germinativo. Essas observações sustentaram a teoria de infecção, sugerindo que os eqüinos em contato com águas contaminadas poderiam atrair os zoosporos, os quais germinariam a partir de uma pequena lesão cutânea. Outros autores sugeriram a possibilidade de penetração dos zoosporos através dos folículos pilosos, baseados na detecção de hifas no interior do folículo de bovinos infectados naturalmente e no fato do quimiotaxismo ser mais ativo na região do pêlo encontrada dentro do folículo piloso. Essa observação pode questionar a necessidade de lesão na pele para que ocorra a germinação dos zoosporos. Além disso, diferenças individuais de suscetibilidade, ao exemplo do que ocorre em humanos, parecem ocorrer também em eqüinos. ¹
No Brasil, a pitiose já foi descrita em eqüinos, bovinos e caninos. A maioria dos casos corresponde a lesões cutâneas em eqüinos. O primeiro relato ocorreu no Rio Grande do Sul. Os relatos de pitiose eqüina no Brasil somam mais de 90 casos e têm
sido descritos em vários estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco e São Paulo. Além dos casos publicados, relatos informais de médicos veterinários indicam a presença da doença em vários estados brasileiros. O Pantanal brasileiro é provavelmente o local de maior ocorrência de pitiose eqüina do mundo. O Pantanal é uma planície inundável de aproximadamente 140.000 km² e possui em torno de 140.000 eqüinos. Embora não existam dados precisos da ocorrência no Brasil, os dados disponíveis indicam que a pitiose representa um problema à criação de eqüinos, especialmente em regiões alagadiças. ³

4 Diagnóstico

Tradicionalmente, o diagnóstico da pitiose baseava-se nas características clínicas, histopatológicas e no isolamento e identificação do agente através de suas características culturais, morfológicas e reprodutivas. A identificação precoce da doença, no entanto, torna-se difícil através desses métodos. O diagnóstico diferencial inclui habronemose, neoplasia, tecido de granulação exuberante e granulomas fúngicos ou bacterianos. Atualmente, métodos como imunohistoquímica e técnicas sorológicas auxiliam e suportam um diagnóstico precoce e correto. Em 1988, foi descrito pela primeira vez o método de imunohistoquímica para diagnóstico da pitiose eqüina, que foi posteriormente utilizado por vários autores. ¹
A utilização de técnicas sorológicas foi impulsionada, onde se desenvolveu técnicas de imunodifusão em gel de ágar (ID), fixação do complemento (FC) e hipersensibilidade intradérmica (TI), para o diagnóstico e monitoramento da resposta imunológica em eqüinos afetados. Os testes realizados em eqüinos com pitiose clínica, demonstraram que a ID apresenta alta sensibilidade e especificidade para a detecção de anticorpos anti-P. insidiosum. ²
Foi desenvolvido um teste de ELISA para o soro-diagnóstico de pitiose em humanos e animais, utilizando antígeno solúvel de hifas sonicadas. Os resultados indicaram que o ELISA é eficiente para o diagnóstico da pitiose e possui especificidade semelhante à ID, porém com maior sensibilidade. No Brasil, desenvolveu-se um teste de ELISA para diagnóstico da pitiose eqüina. A técnica desenvolvida utilizou sistema de luminescência química para visualização da reação, no entanto, pode ser adaptada para um sistema de visualização direta na membrana, podendo ser utilizada como um teste de campo, possuindo boa especificidade, sensibilidade, praticidade e baixo custo. 5


5 Tratamento

O tratamento de infecções pelo P. insidiosum em animais e humanos é complicado pelas características do agente, sobretudo sua composição de parede celular. Os fungos verdadeiros possuem quitina em sua parede, enquanto o Pythium contém celulose e b-glucanos. A membrana plasmática não contém esteróides, como o ergosterol, que é o componente-alvo de ação da maioria das drogas antifúngicas. Devido a essas características, as drogas antifúngicas tradicionais são ineficientes contra o P. insidiosum. No tratamento químico, as drogas mais utilizadas até o momento foram a anfotericina B, cetoconazol, miconazol, fluconazol e itraconazol, além dos compostos iodínicos como iodeto de potássio e sódio. ¹
O sucesso das outras formas de tratamento é variável, sendo influenciado pelo tamanho e duração da lesão, idade e estado nutricional do animal. O tratamento tradicional da pitiose eqüina é o cirúrgico, requerendo a excisão de toda área afetada. No entanto, isso é dificultado pelas estruturas anatômicas envolvidas, principalmente nos membros. Em geral, o tratamento cirúrgico apresenta bons resultados apenas em lesões pequenas e superficiais, nas quais seja possível a retirada de toda área afetada. ¹
Os resultados obtidos com as drogas antifúngicas têm sido variáveis, tanto in vitro como in vivo. Em um estudo, os poliênicos (anfotericina B, hamycin) não apresentaram atividade satisfatória, enquanto os azólicos fluconazol, cetoconazol e miconazol inibiram o crescimento in vitro de isolados de P. insidiosum. Em outro teste, as drogas anfotericina B, fluocitosina, miconazole e griseofulvina não inibiram o crescimento do fungo, enquanto o itraconazol apresentou atividade moderada e a terbinafina foi ativa contra o P. insidiosum. ²

6 Considerações Finais

Apesar de estudos recentes sobre a pitiose, ainda se desconhecem os mecanismos envolvidos na patogenia e na resposta imunológica do hospedeiro. Nesse sentido, o desenvolvimento de técnicas mais eficientes para o diagnóstico e monitoramento da resposta imunológica tem permitido avanços no conhecimento da resposta imunológica e o desenvolvimento de imunoterápicos para o tratamento da doença.
Em especial, a imunoterapia representa uma proposta promissora para o tratamento da doença e justifica estudos mais aprofundados para confirmar seu potencial.

7 Referências

1 Leal A T, Leal A B M, Flores E F, Santurio J M. Pitiose: revisão bibliográfica. Revista Ciência Rural [internet]. 2001 [citado em 2015 Abr 26]; 31(4): 735-743. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cr/v31n4/a29v31n4.pdf

2 Leo V F, Dabus D M M, Lote R F E, Piccinin A. Pitiose em eqüinos. Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária [internet]. 2008 [citado em 2015 Abr 26]; (10). Disponível em: http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/j3EeAHB4LhG6m82_2013-5-28-15-59-3.pdf

3 Luvizari F H, Lehmkuhl R C, Santos I W. Pitiose eqüina no estado do Paraná: primeiro relato de caso. Archives of Veterinary Science [internet]. 2002 [citado em 2015 Abr 26]; 7 (2): 99-102. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/veterinary/article/viewFile/3987/3227

4 Grecco F B, Schild A L, Quevedo P, Assis N D, Kommers G D, Pereira C M, Soares M P. Pitiose cutânea bovina na região sul do Rio Grande do Sul. Pesquisa Veterinária Brasileira [internet]. 2009 [citado em 2015 Abr 26]; 29 (11): 938-942. Disponível em: http://www.pvb.com.br/pdf_artigos/31-12-2009_23-12Vet694.pdf

5 Cescon G T, Carnesella S, Pegorini L N C, Nóbrega F S, Beck C A C, Driemeier D, Oliveira L O, Ferreira M P. Tratamento cirúrgico da pitiose cutânea em eqüino: relato de caso. 2002 [citado em 2015 Abr 26]. Disponível em: http://www.sovergs.com.br/conbravet2008/anais/cd/resumos/r0702-2.pdf
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